O destino decidido de última hora é Ouro Preto, ex Vila Rica. Circuito do Ouro. A viagem é longa, cansativa. Muita curva, muita serra, mas o tempo estando bom, é bela a viagem. A dúvida, na ausência de planejamento apurado, chega na altura de Conselheiro Lafayette. Tiradentes? São João del Rey? Ouro Branco, Ouro Preto ou Congonhas? Ou Mariana?
Congonhas!
Congonhas é um aglomerado caótico. Mais de 800 metros de altitude e privilegiada vista da Serra do Espinhaço, mas as ruas estreitas, amontoadas, dão impressão desconfortável, ou lamentável, de desorganização ou desleixo. Na Basílica, parada obrigatória de todo turista ou visitante, já que é onde estão os famosos Profetas do Aleijadinho, dois deles estavam cobertos. Ao que parece serão restaurados. Melhor explicado: estavam sendo escaneados para que seja feita uma matriz que permita a produção de réplicas. Não fica claro se as estátuas originais sairão da Basílica para um museu. O motivo do trabalho é que há uma espécie de fungo que anda atacando e destruindo as estátuas de pedra sabão. Isto tudo, segundo o texto repetido de cor - ligeiro para não esquecer alguma frase - pelo guia supostamente treinado pela prefeitura.
O guia nos mostra as seis capelas dentro das quais Aleijadinho teria esculpido sete cenas da via-crúcis. Numa delas, há duas cenas, artifício do escultor barroco para evitar o número 7. Pela mesma superstição, desta vez contra o 13, ele introduziu dois "garçons" (palavra do guia), na cena da Santa Ceia, onde estão esculpidos em madeira Jesus e seus 12 apóstolos. O guia cita a bíblia, cita Chico Buarque e Milton Nascimento (Cálice), Dan Brown e o Código da Vinci, sugerindo que o apóstolo ao lado de Jesus na Santa Ceia seria, na verdade, Maria Madalena. Ele parece determinado a nos convencer, não apenas que Aleijadinho era maçon, como também que a maçonaria é o máximo.
Cena a cena, aprendemos os detalhes, das botas invertidas por causa da dificuldade de Aleijadinho em esculpir o pé direito e o pé canhoto, o bebê com cara de adulto (porque ninguém esculpia rosto de crianças na época, diz o guia!), o soldado romano que teve a orelha cortada e cujo cabelo é uma pata de leão; o outro soldado romano cuja farda tem as cores da bandeira de Portugal (sugestão de que os portugueses teriam agido com Tiradentes, tal qual os romanos fizeram com Cristo).
Há uma infinidade de detalhes curiosos e interessantes nas esculturas de madeira - na santa ceia, por exemplo, os personagens do primeiro plano têm pés, mas sob a mesa, vê-se que os outros apóstolos e o próprio Jesus não têm - mas a pedra sabão as supera de longe. E ganha mais mistério quando se associa o profeta Jonas com Tiradentes. Garante o guia (que na conversa de negociação sugeriu que lhe pagássemos o preço que achássemos que merecia) que a baleia ao lado de Jonas lembra o golfinho que é símbolo da bandeira do Rio de Janeiro, onde Tiradentes foi condenado.
Ainda sobre Congonhas. Até a funcionária da prefeitura admite, constrangida, que os turistas, por falta de acomodações adequadas, em geral visitam a cidade mas vão se hospedar em Ouro Preto. Injusto.
Ouro Preto. O que se pode dizer de Ouro Preto é que a cidade fica a mais de mil metros acima do nível do mar. E que tem morros, morros e mais morros por cima e buracos de minas por baixo. E muita história e arte barroca. Os morros estão salpicados de igrejas barrocas, capelas barrocas, museus barrocos, tudo com assinatura, traço ou influência de Antônio Francisco Lisboa, o maior artista brasileiro do século XVIII, segundo a enciclopédia. Aleijadinho tinha uma espécie de empresa com centenas de empregados, segundo conta o arteão que criou a feira de artesanato em frente à Igreja de S. Franciso de Assis, obra de Aleijadinho. Arrisco a comparação e pergunto se Aleijadinho seria uma espécie de Niemeyer de 1.700. O artesão, sério, responde que ele era um Leonardo Da Vinci.

Ouro Preto também tem a mina de Chico Rei, atração bem cotada entre os visitantes da cidade. Não é para menos. A história conta que Chico Rei era escravo da mina. Sabe-se lá como (talvez pegando ouro escondido nas unhas), ele conseguiu juntar ouro bastante para comprar sua própria alforria e de mais 1.500 escravos a quem concedeu a liberdade. A mina hoje é explorada como atração turística, embora esteja com lâmpadas apagadas, com caminhos escorregadios e lamaçentos e não ofereça mais do que um passeio claustrofóbico que dura 10 minutos e custa outros R$ 10. Os túneis são estreitos, tanto que o artesão já citado diz que eram pigmeus os mineiros que lá trabalhavam. Ele afirma descender de pigmeus. Por duas vezes ouvi menção a pigmeus, do artesão e de um guia em Mariana que contou que havia uma porta secreta atrás do altar da igreja, por onde duas irmãs freiras anãs entravam para abrir a igreja por dentro e voltavam para o seu convento, sem nunca serem vistas.

Ainda sobre a mina, resta um questionamento a registrar. Novamente feito pelo artesão da feira. Ele diz que as minas estão espalhadas por debaixo de toda a cidade: "Aí, um dia alguém descobre uma entrada para a mina em seu quintal e passa a intitular-se dono da mina". Evidente que ele não concorda. Resta saber a quem pertenceriam então as tais minas? .
A cidade parece ter mais lojas de pedras preciosas e semi-preciosas do que qualquer outra coisa. Pelo que deu para apurar, a maioria não vem dali, exceto talvez o topázio imperial, vendido caro, a peso de ouro, ou a peso de Topázio Imperial.
Meu amigo Rogério disse-me ter lido na coluna de Cora Rónai (O Globo) que Ouro Preto está se favelizando. Não posso confirmar nem desmentir, já que nunca estive antes lá. No entanto, dá para dizer que há sim, construções recentes nas encostas dos morros. São casas, pousadas ou hotéis.
Em janeiro, a cidade é quente de dia e fresca à noite. Assim mesmo. Dá para andar sem camisa durante o dia, mas convem um agasalho durante a noite. As ruas, com inclinação próxima dos 90 graus em alguns casos, são calçadas com pedras e não têm semáforos nem flores ou jardins nas calçadas. Tudo ou quase tudo fecha às cinco da tarde. Restaurantes, antes. Mas as igrejas, os museus, as capelas e até mesmo a mina de Chico Rei fecham às 17 horas.
A comida dos restaurantes, como seria de esperar, é típica. Tipicamente mineira. Leitão assado, galinha caipira, tutu, feijão tropeiro, couve crua ou refogada, linguiça, feijoada e torresmo. No café da manhã, ovos mexidos, pão de queijo e bolos.
A Igreja de São Francisco de Assis, obra-prima de Aleijadinho, novamente nas palavras do artesão descendente de pigmeus, está cheia de sinais típicos de uma fortaleza. Confirma-o, por exemplo, a saída de água na forma de canhões. E a Cruz dobrada, cuja extremidade lembra a empunhadura de uma espada do tempo das Cruzadas.
A Vale do Rio Doce mantém um passeio de trem de Ouro Preto a Mariana, como uma espécie de modesta contrapartida de uma das maiores empresas do mundo (acaba de superar a Petrobras) que tanto minério tira daquela região. Originalmente, a idéia era um passeio de Maria Fumaça, para recordar o passado. A Vale, no entanto, já mudou da máquina a vapor para o óleo diesel. Assim, a Maria Diesel faz o passeio de 100 minutos mais ou menos, ida e volta, por R$ 35,00 a passagem, na baixa temporada.